SINDICATO DOS TRABALHADORES NO COMÉRCIO DE MINÉRIOS E DERIVADOS DE PETRÓLEO NO ESTADO DE SÃO PAULO

O 24 de agosto em 1954 e 2018

Getúlio Vargas foi presidente do Brasil em duas ocasiões: de 1934 a 1945 e de 1951 a 1954

A semana final deste agosto de 2018 pode não estar carregada das expectativas da semana final de agosto de 1954, há mais de sessenta anos, mas já apresenta sinais de que a história, antes vivida como tragédia, repete-se agora, muito como farsa, mas também como desafio e oportunidade.

Na manhã do 24 de agosto de 1954, a do suicídio do presidente Getúlio Vargas, eu vivi intensamente cada minuto do que acontecia, com 16 anos e já aprendiz de jornalista (pelo menos era “diretor”, imaginem, do jornalzinho mensal dos alunos do Colégio Estadual do Paraná, em Curitiba, que publicou uma edição especial, mas já em setembro, com editorial e tarja de luto).

Sabíamos de algumas das razões e das circunstâncias da campanha contra Getúlio, mas com o tempo saberíamos que:

1 – A morte de Getúlio impediu o desmonte das principais conquistas de seus dois governos, desde a legislação trabalhista iniciada ainda nas primeiras semanas do primeiro deles, o governo provisório da Revolução de 1930, até a Petrobrás, que ganhara vida efetiva apenas três semanas antes, a 1º de agosto, quando assumiu o controle e a posse de todas as reservas de petróleo do Brasil, das refinarias de Mataripe, na Bahia, e de Cubatão, em São Paulo (esta em construção), dos navios da Frota Nacional de Petroleiros e de todos os ativos do setor estatal de nossa indústria do petróleo;

2 – A morte de Getúlio garantiu a sucessão presidencial de 1955 e a candidatura, a campanha, a eleição, a posse e o governo do presidente Juscelino Kubitschek (JK teve de enfrentar duas rebeliões armadas, além do contragolpe, também armado, do General Lott, em novembro de 1955, quando o governo do vice da época tentou anular a eleição);

3 – A morte de Getúlio adiou por dez anos o golpe de 64, dez anos nos quais as conquistas lideradas por Getúlio enraizaram-se e avançaram tanto que os governos militares pouco mexeram com as garantias trabalhistas e não só não tentaram o desmonte da Petrobrás como lhe deram todo apoio;

4 – A morte de Getúlio evitou uma guerra civil na qual morreriam muitos brasileiros, até, quem sabe, jovens de 16 anos.

Fundada pelo jornalista Assis Chateaubriand em 1950, a TV Tupi foi a primeira emissora de televisão do Brasil

Com tanta coisa a dizer sobre este 24 de agosto de 2018, especialmente sobre o comportamento da grande mídia, vou ficar no agosto de 1954.

Não preciso discutir o papel atual da grande mídia, da qual o “Jornal Nacional” ainda é o órgão de maior peso e poder. O Papa Francisco já desmascarou os processos de linchamento moral a cargo de tais veículos para instigar o clamor das ruas e abrir caminho aos golpes agora judiciais que tentam deter o avanço da história.

Quero voltar ao 24 de agosto de 1954 para contar de novo, sem a necessidade de qualquer comentário, um episódio daqueles dias.

No auge daquela campanha, a mídia se mobiliza contra Getúlio, o jornalista Carlos Lacerda fala contra ele toda noite pelas duas únicas TVs em funcionamento no Brasil, uma no Rio e a outra em São Paulo, ambas de propriedade do Rei da Mídia de então, Assis Chateaubriand – um monopólio privado absoluto.

A onda avança, manifestos militares exigem a renúncia de Getúlio e no auge da crise a chantagem e seu preço são anunciados sem meias palavras.

Assis Chateaubriand, que comanda o linchamento midiático de Getúlio, tem um encontro com o General Mozart Dornelles, subchefe do Gabinete Militar da Presidência da República, de quem era amigo pessoal desde a Revolução de 1930, quando se conheceram, Mozart combatente e Chateaubriand jornalista.

É Mozart que procura Chateaubriand, sem Getúlio saber, e pergunta por que tanto rancor, tanto ódio na campanha das televisões, das rádios e jornais fortíssimos da rede dos “Associados” de Chateaubriand em todos os Estados e de sua revista ilustrada O Cruzeiro (a equivalente a revista Veja de hoje), que vendia meio milhão de exemplares por semana a época.

Chateaubriand não faz cerimônia, faz seu preço: – Mozart, eu sou o maior admirador do presidente, eu adoro o presidente Vargas. Na hora que ele quiser, eu tiro o Carlos Lacerda da televisão e entrego para quem ele quiser… É só ele desistir da Petrobrás.

É só ele desistir da Petrobrás…

Dia 6 de dezembro de 1951 – Getúlio Vargas envia ao Congresso projeto de criação da Petrobras

O General, chocado com a crueza da proposta, volta para o Palácio do Catete, sede da Presidência da República, onde encontra o ministro da Justiça Tancredo Neves (avó de Aécio Neves), conta o episódio e pede uma opinião: deve contar ou não a Getúlio sobre a proposta de Chateaubriand?

– Acho que você deve contar – responde Tancredo. – O presidente precisa saber disso. Mas nós dois sabemos de uma coisa: o presidente Vargas morre, mas não desiste da Petrobrás.

Getúlio não desistiu !!!!

Mas sessenta anos depois, o Brasil tem hoje a Petrobrás e os DIREITOS TRABALHISTAS, tão ameaçados neste 24 de agosto de 2018, quanto tinha quando foi criada por Vargas na crise de 1954.

José Augusto Ribeiro é jornalista e historiador 

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